A jurisdição – palavra que tem sua origem na composição das expressões jus, juris (direito) e dictio, dictionis (ação de dizer) – surgiu da necessidade jurídica de se impedir que a prática temerária da autodefesa, por parte de indivíduos que se vissem envolvidos em um conflito, levasse a sociedade à desordem oriunda da inevitável parcialidade da justiça feita com as próprias mãos.
O Estado chamou para si o dever de manter estável o equilíbrio da sociedade e, para tanto, em substituição às partes, incumbiu-se da tarefa de administrar a justiça, isto é, de dar a cada um o que é seu, garantindo, por meio do devido processo legal, uma solução imparcial e ponderada, de caráter imperativo, aos conflitos interindividuais.
Reconhecendo a necessidade de um provimento desinteressado e imparcial, o Estado, mesmo sendo o titular do direito de punir – detentor da pretensão punitiva - autolimitou seu poder repressivo atribuindo aos chamados órgãos jurisdicionais a função de buscar a pacificação de contendas, impondo, soberanamente, a norma que, por força do ordenamento jurídico vigente, deverá regular o caso concreto. O Estado, então, por intermédio do Poder Judiciário, busca, utilizando-se do processo, investigar qual dos litigantes tem razão, aplicando, ao final, a lei ao caso litigioso em comento.
Eis aí o conceito de jurisdição.
Cintra, Grinover e Dinamarco a definem como sendo "uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça". Em outras palavras, apregoam os autores que "através do exercício da função jurisdicional, o que busca o Estado é fazer com que se atinjam, em cada caso concreto, os objetivos das normas de direito substancial".
Nesse mesmo sentido, Tourinho Filho conceitua jurisdição como "aquela função do Estado consistente em fazer atuar, pelos órgãos jurisdicionais, que são os juízes e Tribunais, o direito objetivo a um caso concreto, obtendo-se a justa composição da lide". Reforça ainda que "esse poder de aplicar o direito objetivo aos casos concretos, por meio do processo, e por um órgão desinteressado, imparcial e independente, surgiu, inegavelmente, como impostergável necessidade jurídica à própria sobrevivência do Estado".
Importa frisar que o fato de ser a jurisdição uma emanação da própria soberania estatal originou o artigo 345 do Código Penal, onde está estabelecido como crime o fazer justiça com as próprias mãos, mesmo se tratando de pretensão legítima.
Observe-se, contudo, que não só o Poder Judiciário exerce a função jurisdicional.
A doutrina costuma atribuir à jurisdição algumas características que lhe são inerentes. Para Cintra, Grinover e Dinamarco, a existência de uma lide, a inércia dos órgãos jurisdicionais (princípio da inércia) e a suscetibilidade de os atos jurisdicionais tornarem-se imutáveis (princípio da definitividade) são as três características básicas da jurisdição. Tourinho Filho, por sua vez, acresce às características citadas pelos sobreditos doutrinadores a substitutividade, que ocorre quando o juiz, no exercício da atividade jurisdicional, como terceiro revestido de desinteresse e imparcialidade, substitui os interessados na aplicação da justiça ao caso concreto, privando-os de, pelas próprias mãos, buscarem a satisfação de suas pretensões.
PRINCÍPIO DA INVESTIDURA
O Estado, como pessoa jurídica de direito público, necessita de pessoas físicas para o exercício da função jurisdicional. Para que essas pessoas possam exercer a jurisdição, é preciso que estejam regularmente investidas no cargo de juiz e em pleno exercício, de acordo com o que prescreve a lei.
A pessoa não investida na autoridade de juiz não poderá desfrutar do poder de julgar. Conseqüentemente, estará impossibilitada de validamente desempenhar a função jurisdicional, sob pena de, se assim o fizer, serem declarados nulos o processo e a sentença, sem prejuízo de o pseudojuiz responder criminalmente pelo delito de usurpação de função pública, previsto no artigo 328 do Código Penal.
Apenas ao juiz, em pleno exercício, investido regularmente no cargo, segundo os ditames legais, caberá o exercício da função jurisdicional.
PRINCÍPIO DA INDECLINABILIDADE OU DA INAFASTABILIDADE
Consagrando expressamente o princípio da indeclinabilidade (ou da inafastabilidade), dispõe o artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Desta forma, a Lei Maior garante o acesso ao Poder Judiciário a todos aqueles que tiverem seu direito violado ou ameaçado, não sendo possível o Estado-Juiz eximir-se de prover a tutela jurisdicional àqueles que o procurem para pedir uma solução baseada em uma pretensão amparada pelo direito.
PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE
O princípio da indelegabilidade decorre do princípio da indeclinabilidade, anteriormente estudado. De fato, não pode o juiz delegar sua jurisdição a outro órgão, pois, se assim o fizesse, violaria, pela via oblíqua, o princípio da inafastabilidade e a garantia constitucionalmente assegurada do juiz natural ("ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" - artigo 5°, inciso LIII, CF/88).
PRINCÍPIO DA IMPRORROGABILIDADE
Igualmente conhecido como princípio da aderência ao território, o princípio da improrrogabilidade veda ao juiz o exercício da função jurisdicional fora dos limites delineados pela lei. Sob este prisma, não poderá o crime de competência de um juiz ser julgado por outro, mesmo que haja anuência expressa das partes.
Tourinho Filho, ensinando sobre a impossibilidade de um juiz invadir a jurisdição de outro, esclarece que "não é lícito, mesmo mediante acordo dos interessados, submeter uma causa à apreciação de autoridade que não tenha, para isto, jurisdição e competência próprias".
PRINCÍPIOS DA INICIATIVA DAS PARTES E DA INÉRCIA
Em termos práticos, os princípios da iniciativa das partes e da inércia se equivalem, diferindo-se, doutrinariamente, pelo fato de o primeiro ser um preceito do Processo Penal e o segundo, da jurisdição.
Cristalizados nos aforismos nemo judex sine actore (não há juiz sem autor) e ne procedat judex ex officio (o juiz não pode proceder – dar início ao processo - sem a provocação da parte), tais princípios consubstanciam a índole inerte dos órgãos jurisdicionais, que somente poderão aplicar a lei ao caso concreto se devidamente provocados pela parte interessada em face da existência de uma pretensão resistida ou insatisfeita amparada pelo ordenamento jurídico. Esta provocação é feita por meio da ação, onde se invoca a tutela do Estado-Juiz a fim de que haja a prestação jurisdicional.
Cintra, Grinover e Dinamarco justificam o princípio da inércia explicando que "o exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos a casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes".
Os órgãos jurisdicionais, sabemos, devem ser desinteressados e imparciais, características inerentes à própria existência da jurisdição. Visando a resguardar a imparcialidade na solução do conflito, melhor é deixar que o Estado só intervenha quando provocado por meio da ação, pois "a experiência ensina que quando o próprio juiz toma a iniciativa do processo, ele se liga psicologicamente de tal maneira à ideia contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições de julgar imparcialmente".
PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO
Estabelece o princípio da correlação que há necessidade imperiosa da correspondência entre a condenação e a imputação, ou seja, o fato descrito na peça inaugural de um processo – queixa ou denúncia – deve guardar estrita relação com o fato constante na sentença pelo qual o réu é condenado.
O princípio da correlação, também chamado de princípio da relatividade ou da congruência da condenação com a imputação ou ainda da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, pois assegura ao réu a certeza de que não poderá ser condenado sem que tenha tido oportunidade de, previa e pormenorizadamente, ter ciência dos fatos criminosos que lhe são imputados, podendo, assim, defender-se amplamente da acusação.
PRINCÍPIO DA DEFINITIVIDADE
PRINCÍPIO DA DEFINITIVIDADE
Em que pese estar a definitividade citada como princípio, boa parte dos doutrinadores a considera como uma característica dos atos jurisdicionais, que se revestem da possibilidade de a sentença judicial tornar-se imutável a partir da ocorrência do fenômeno da coisa julgada.
PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
O princípio do juiz natural ou juiz constitucional, também chamado de princípio do juiz competente, no direito espanhol, e princípio do juiz legal, no direito alemão, originou-se, historicamente, no ordenamento anglo-saxão, desdobrando-se, a posteriori, nos constitucionalismos norte-americano e francês. Entre nós, o referido princípio inseriu-se deste o início das Constituições.
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