segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pronomes ''o'' e ''lhe'' empregam-se em situações diversas

Não são poucos os que fazem confusão na hora de usar os pronomes átonos. O problema é comum entre as formas de terceira pessoa (do singular e do plural), cujo correto uso depende do conhecimento da regência dos verbos.
Os verbos transitivos diretos têm como complemento as formas o, a, os, as, e os transitivos indiretos que regem a preposição “a” requerem as formas lhe ou lhes.
Verbos transitivos diretos são os que exigem como complemento um termo não preposicionado (fazer algo, comprar algo, saber algo, estimular algo, fomentar algo, ilustrar algo etc.); verbos transitivos indiretos têm como complemento um termo preposicionado (pertencer a algo, gostar de algo, conversar com alguém etc.).
Os transitivos diretos sempre têm seu complemento permutável por uma forma átona (fazê-lo, comprá-lo, sabê-lo, estimulá-lo, fomentá-lo, ilustrá-lo etc.), o que nem sempre ocorre com os indiretos. O complemento indireto substituível por “lhe” é o que se inicia pelo “a” (a ele = lhe, a eles = lhes), como ocorre com pertencer-lhe.
Há verbos que admitem os dois complementos, sendo, em geral, o indireto (lhe) o que se refere ao destinatário da ação. Assim: entregou-lhe o documento (a ele), devolveu-lhe o cargo (a ele), disse-lhe a verdade (a ele) etc.
Os pronomes “lhe” e “lhes” também se empregam em outra situação. Por vezes, assumem o valor aproximado de um pronome possessivo. É o que ocorre no exemplo a seguir:
Rousseau nasceu na Suíça e seu pai, o relojoeiro huguenote Isaac Rousseau, desde cedo estimulou-lhe o amor pelas letras e pela música.
É fácil perceber que o pronome “lhe” indica não aquilo que foi estimulado (que é o amor pelas letras e pela música), mas a pessoa que tinha amor pelas letras e pela música (estimulou o seu amor pelas letras e pela música). Caso semelhante ocorre em outro fragmento, no qual, entretanto, há também um uso inadequado do pronome “lhe”:
Mas o melhor mesmo é que não haverá um hesitante e contemporizador José Serra a lhe tolher as decisões e a impedir-lhe de dizer certas verdades.
O primeiro “lhe” está correto (a tolher as suas decisões), mas o segundo não. O verbo “impedir” requer objeto direto de pessoa (impedir alguém de fazer algo), portanto “a impedi-lo de dizer certas verdades” seria a construção correta.
O uso incorreto do “lhe” (no lugar das formas “o” e “a”) observa-se com certa frequência. Assim:
Eu lhe conheci no dia do seu aniversário, 14 de março, meu primeiro dia de aula na Faculdade de Direito.
Uma pessoa conhece outra, sem preposição, portanto o correto seria “eu o conheci” ou “eu a conheci”, dependendo do sexo da pessoa em questão. O mesmo tipo de problema ocorre no fragmento abaixo:
Em "Something for Everybody", lançado agora no Brasil, o grupo recupera, com o mesmo vigor, todos os elementos que lhe fizeram singular nos anos 1980.
O verbo “fazer” é transitivo direto (fazer algo, fazer alguém feliz, fazer o grupo singular). No caso, teríamos “todos os elementos que o fizeram singular”.
Mais um caso desse tipo ocorre a seguir:
Com que frequência você esquece seu nome de usuário e senha, e quanto isso lhe irrita?
O verbo “irritar” também é transitivo direto, logo seu complemento não pode ser o pronome “lhe”. A construção correta seria “quanto isso o irrita”.  Na maior parte das vezes, a confusão é essa, ou seja,  o lhe no lugar de o ou do a. Não é impossível, porém, talvez até por hipercorreção, ocorrer o contrário:
A medida permitiu-a economizar mais do que imaginara.
Num caso como esse, o correto seria o uso do pronome “lhe”, pois a medida permitiu algo (economizar mais do que imaginara) a alguém (a ela = lhe).  Corrigindo o trecho, teríamos o seguinte: A medida permitiu-lhe economizar mais do que imaginara.
Uma estratégia que pode ajudar a identificar os transitivos diretos (cujos complementos são o, a, os e as) é tentar passá-los para a voz passiva. Somente os transitivos diretos (com raras exceções) admitem essa transformação. A título de exemplo, veja o seguinte:
Beneficiou-o (algo/ alguém foi beneficiado)
Celebrou-o (algo foi celebrado)
Convidou-o   (alguém foi convidado)
Estimulou-o (algo/alguém foi estimulado)
Focou-o (algo foi focado)
Fomentou-o (algo foi fomentado)
Impactou-o (algo foi impactado)
Irritou-o (alguém foi/ ficou irritado)
Parabenizou-o (alguém foi parabenizado)
Nesses casos, não cabe o pronome “lhe”. Observe como se constroem os verbos pagar, perdoar e agradecer:
Agradeceu-lhe o convite (agradecer algo a alguém)
Pagou-lhe a dívida (pagar algo a alguém)
Perdoou-lhe a ofensa (perdoar algo a alguém)
A posição do pronome átono é assunto para outros boletins, que virão a seguir.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Técnicas de Redação Forense

A redação é um  instrumento de trabalho dos comunicadores em geral e, de modo específico, dos operadores do direito (juízes, promotores, advogados, servidores da Justiça). A redação técnica difere da literária pelas suas finalidades e pela sua forma: “é uma comunicação objetiva, obedecendo a uma padronização que facilita o trabalho e dá ao redator mais segurança de sua eficiência. Caracteriza-se pelo texto em nível culto, gramaticalmente correto, claro, objetivo e com vocabulário adequado à área de atuação”.

Escrever bem, antes de ser uma arte, é uma técnica, que exige conhecimentos de gramática e estilo, mas se desenvolve e aperfeiçoa com a prática da redação. Para isso, são necessários recursos técnicos (escrever o que, para quem?), adquiridos com o constante exercício da reflexão, da leitura e do trabalho silencioso de escrever, sem medo de errar e sem preguiça de corrigir os erros e melhorar o texto.

Durante os últimos anos venho publicando notas e artigos sobre questões de português e de redação, nos informativos  “Paulistão” (do Gabinete de Trabalho dos Desembargadores)  e InterAÇÃO (da Escola Paulista da Magistratura). Tenho proferido palestras a novos juízes e ministrado aulas de redação jurídica e forense em faculdades e em  cursos de preparação para  concursos. Aos  servidores do Tribunal de Justiça, tenho ministrado inúmeros cursos de redação.

O resultado desse trabalho é reunido agora, neste volume,  que contém os principais pontos examinados  por mim, com a participação dos meus leitores, alunos e dos servidores  judiciários, os quais sempre trazem questões novas  (e às vezes ótimas soluções), enriquecendo a reflexão e o estudo de temas do vernáculo e da técnica de redação.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Quando usar EU e MIM

Acho que todo mundo deve se lembrar de já ter sido corrigido alguma vez em sua vida a respeito do uso do EU e do MIM, na verdade geralmente quando se usa, erroneamente, o MIM.

Quando a gente aprende e entende, não consegue mais ouvir e achar normal ouvir um MIM no meio da frase (é horrível). Ouço isso de diretores de empresas, de atendentes, de alunos, de leitores, ou seja, é um erro eclético, que não escolhe classe social, idade, sexo – rs.
Pra saber se você usa corretamente o EU, ao invés de MIM, basta ver se você tem ciência de “quando” se deve usar o EU (ao invés de MIM) e se percebe, a todo momento, alguém falando errado. Se você não tem certeza (e se não costuma perceber que os outros usaram de forma errada) provavelmente você também “escorrega” no uso.
Vamos às explicações…
Vamos ver se vocês conseguem “pegar o fio da meada”, pois quem entende não erra mais: sempre que for utilizar antes de um verbo, determinando uma ação (fazemos isso usando o verbo no infinitivo – a forma original do verbo, terminada em AR,ERIR e OR), usa-se o EU.
É ai que entrava a professora e falava: “Quem faz sou EU, porque quem diz MIM faz é índio”. Testemos como fica horrível usar o MIM, substituindo nos exemplos acima:
Então, não use MIM para conjugar verbos. É só se acostumar que não se erra mais.
Incluído depois:
1.DICA: Como disse os leitores Bárbara e Helison nos comentários abaixo, MIM não conjuga verbo. Notem como aprendemos a conjugar verbos: EUTU (que é o VOCÊ),ELENÓSVÓS ELES. Viram? Não tem nenhum MIM, pois o MIM é passivo, MIM é um “cara” preguiçoso, ele não faz nada, só recebe (veja que o verbo vem sempre ANTES de MIM):
  •  veio a MIM.
  • … faça pra MIM.
  • … traga pra MIM.
Quem faz sou EU (ou seja, se o verbo vem depois, determinando uma ação, é sempre EU):
  • … pra EU fazer…
  • … pra EU entregar…
Portanto, risque o MIM de suas frases que sejam seguidas por um verbo no infinitivo.

2. Entre EU e ELE – ou – MIM e ELE? Quando tiver que usar numa frase assim:
  • Isso já está mais do que discutido entre ?? e ELE.
Utilize MIM, pois o EU é utilizado junto com um verbo, que vem na sequência, o que não ocorre aquiAlém disso, o uso de preposição antes (no caso o “ENTRE” – ver mais no item 3) exige o uso do MIM.
  • Então sua frase ficará: Isso já está mais do que discutido entre MIM e ELE.

3. NO FINAL DE FRASE = DEPOIS DE PREPOSIÇÃO - o EU é sempre sujeito, entãonunca use EU depois de preposição (PARA, DE, POR, A). Isso geralmente acontece no final das frases, mas pode também ocorrer em outras partes:
  • Isso já foi entregue para MIM.
  • Para MIM isso é fato consumado.
  • Não deixarei tirarem isso de MIM.
  • Por MIM seriam todos condenados.
  • Vinde a MIM todas as criancinhas…
Perceba que em todos os exemplos o MIM não é o sujeito executor da ação(não vem antes do verbo, “fazendo” algo, onde se exige o EU). Em alguns casos até podemos ver o verbo aparecer logo depois, mas basta invertermos a frase para notarmos que o MIM não está executando a ação determinada no verbo:
  • Para MIM, resolver estes problemas é coisa simples.
  • Resolver estes problemas é coisa simples para MIM.
  • = aqui ainda podemos aplicar a regra de que não se usa EU depois de preposições (no caso o PARA).
Entretanto não se “iluda” com a preposição antes. Quando existe uma ação (verbo depois), usa-se, como explicado no começo desse post, o EU:
  • Me dê o microfone para EU CANTAR.
  • = está “fazendo” alguma coisa = CANTANDO = EU. Só usaria o MIM, no caso de não existir a ação:
  • Dê o microfone para MIM, vou cantar.
.
4. Antes de NÃO – usar MIM ou ELE? Quando tiver que usar numa frase com a negativa entre o sujeito e o verbo, usa-se o EU, pois continua existindo uma ação (na verdade, só se diz que a ação NÃO irá ocorrer, mas se está conjugando o verbo).
Ou seja, você deve escrever:
  • Para EU não errar.
  • (NUNCA: Para MIM errar.)
E ai, deu para entender? Você acha que agora não erra mais ou esse não é um problema para você?